Parceria com os EUA visa produzir imunizante mais seguro contra a febre amarela.
Num avanço tecnológico muito significativo para o país, cientistas do Instituto de Tecnologia de Imunobiológicos (o Bio-Manguinhos), da Fiocruz, no Rio, em parceria com pesquisadores americanos, assinaram acordo para o desenvolvimento e a produção da primeira vacina feita no mundo a partir de uma planta - ou seja, sem o uso de vírus atenuados ou inativados (não infecciosos).
O imunizante escolhido para ser inicialmente produzido dessa forma é o da febre amarela, uma das doenças do arsenal do mosquito da dengue, o Aedes aegypti,e endêmica em países da América do Sul e da África.
Além de reduzir os efeitos colaterais - raros com a vacina atual, porém graves -, o novo imunizante poderá ser fabricado em maior quantidade e a um custo menor.
Hoje a vacina contra a febre amarela é produzida por Bio-Manguinhos com uma tecnologia 100% brasileira e desenvolvida a partir de uma cepa viva atenuada do vírus do gênero dos flavivirus, cultivada em ovos especiais (chamados embrionados) livres de doenças e fornecidos por uma única indústria nacional. O vírus se multiplica no ovo formando o antígeno - o princípio ativo da vacina atual.
Apesar de sua comprovada eficácia, esse método tem problemas. Como a vacina é obtida a partir de embriões de galinha, ela pode causar alergia em pessoas suscetíveis e até complicações como encefalite, a inflamação no cérebro, devido ao uso de vírus vivo.
Os pesquisadores esperam que com a nova técnica o imunizante seja mais seguro, diz Marcos Freire, vice-diretor de Desenvolvimento Tecnológico de Bio-Manguinhos:
- É algo inédito no mundo.
De forma simplificada, na produção da nova vacina os cientistas pegam o gene que faz (codifica) a principal proteína do vírus que induz a resposta imunológica no organismo. Em seguida, eles colocam esse gene nas células das folhas da planta Nicotiana benthamiana, espécie de tabaco. À medida que ela se desenvolve suas folhas crescem produzindo grande quantidade de antígeno.
- Cada folha da planta é uma minifábrica do antígeno que será usado na vacina - explica Ricardo Galler, principal pesquisador.
O método das chamadas biofábricas é usado na produção de algumas substâncias, como insulina, mas é a primeira vez que se chega tão longe com uma vacina.
Freire comenta que a produção nacional de ovos embrionados para a produção da vacina para o mercado brasileiro e o externo (o país exporta o imunizante para 70 países) não atende à demanda. E boa parte precisa ser importada dos Estados Unidos e da Europa.
- Se tudo der certo com a nova tecnologia e os testes pré-clínicos e clínicos apresentarem bons resultados, não vamos depender mais de ovos especiais embrionados, que no Brasil só têm um fornecedor - afirma o pesquisador. - Apesar de a vacina atual ser segura e eficaz, sua tecnologia tem 70 anos e, de certa forma, é obsoleta.
O uso da planta em cultivo por hidroponia - sem solo, onde as raízes recebem uma solução nutritiva balanceada - é uma grande vantagem porque os cientistas não precisam de grandes áreas de granjas para obter a proteína que estimula a resposta ao vírus, o que favorece a produção em áreas controladas e restritas. Além disso, o tabaco é um vegetal bem estudado e não comestível. Portanto, o seu cultivo não vai interferir na produção de alimentos.
O acordo entre Bio-Manguinhos e o Centro Fraunhofer para Biotecnologia Molecular e a iBio Inc., nos Estados Unidos, foi assinado no último dia 4. A Fiocruz investirá US$ 6 milhões no projeto para que o país domine o inovador processo de produção, e a previsão para o início da primeira fase clínica de estudo, no Brasil e nos Estados Unidos, é de três anos.
O Programa Nacional de Imunizações recomenda que a vacina contra febre amarela seja aplicada a partir dos nove meses de vida e a imunização seja repetida a cada dez anos. Isto vale principalmente para as pessoas que viajam para regiões endêmicas.
(Antônio Marinho)
(O Globo, 26/1)