Índia atrai corrida por contratos de tecnologia nuclear
10/01/2011

País é 2º maior mercado para investimento em energia atômica; russos, franceses e americanos lideram boom.

Dois anos depois do fim do embargo que restringia a venda de tecnologia nuclear à Índia, o país virou o centro de uma corrida mundial por contratos para a construção de usinas atômicas de energia e fornecimento de combustível.

Acordos na área foram assinados ou referendados nas visitas a Nova Déli do presidente dos EUA, Barack Obama, em novembro, e de seus colegas da França, Nicolas Sarkozy, e da Rússia, Dmitri Medvedev, em dezembro.

Segundo as indústrias do setor, reunidas na Associação Nuclear Mundial (WNA, na sigla em inglês), a Índia é hoje seu segundo maior mercado, depois da China.

Dependente de carvão para gerar eletricidade, o país pretende aumentar de 2,5% para 25% em 2050 a participação da energia atômica em sua matriz energética.

Além de seis reatores em construção, há 18 encomendados ou planejados e mais 40 foram propostos, o que elevaria o total de 19 para 83.

De olho nesse mercado, França, Rússia e Reino Unido, membros do clube dos cinco detentores da bomba reconhecidos (que inclui ainda EUA e China), deram apoio entusiasmado quando o governo George W. Bush (2001-09) assinou o acordo de cooperação nuclear civil com a Índia, em 2005.

Na prática, o acordo reconheceu o país como potência atômica fora do Tratado de Não Proliferação (TNP). A Índia fez uma explosão primitiva em 1974 e, ao lado do rival regional Paquistão, testou a bomba em 1998.

Segundo o acertado, Nova Déli submeterá suas instalações civis às inspeções da AIEA, mas não as militares. O acerto abriu caminho para que, em 2008, os 45 países do Grupo de Fornecedores Nucleares, do qual o Brasil faz parte, revertessem restrições de mais de três décadas à venda de material atômico aos indianos.

Concorrência

A Índia desenvolveu tecnologia própria de fabricação de reatores e combustível nuclear. Com poucas reservas de urânio, testa o uso de tório para abastecer as usinas. Mas também abriu-se aos fornecedores externos.

Por enquanto, a holding russa Rosatom, beneficiária de laços entre Moscou e Nova Déli que remontam à Guerra Fria, saiu em vantagem. Os russos já constróem dois reatores, firmaram contratos para mais dois e acordos de intenção para outros oito, num total de 12.

A francesa Areva vendeu dois reatores e pretende construir mais quatro, enquanto as americanas GE-Hitachi e Westinghouse planejam fornecer seis cada uma. EUA e Índia também acertaram construir duas usinas de reprocessamento de combustível nuclear.

Além desses três sócios principais, Coreia do Sul, Canadá, Argentina, Cazaquistão, Mongólia e Namíbia já assinaram tratados de cooperação com os indianos, os três últimos para fornecer concentrado de urânio.

No Brasil, um decreto de 2009 permite acordo semelhante, mas sua efetivação depende de decisão sobre a futura exportação de urânio ou de combustível atômico.

De início crítico ao tratado EUA-Índia, pelo desgaste causado ao TNP, o Brasil agora vê a possibilidade de cooperação com os indianos para o uso do tório.

Negócio supera apelos contra proliferação

O aquecimento da indústria nuclear acirra a disputa entre os países fornecedores e leva parte deles a relevar antigas condições que foram estabelecidas em nome da não proliferação.

Segundo cálculos da WNA, os reatores de geração de energia em construção, contratados e planejados são 206, quase 50% do total de 441 construídos em 60 anos.

Países como Turquia, Vietnã, Emirados Árabes, Jordânia e Indonésia, que não têm usina, começaram a construí-las ou o farão em breve. A Coreia do Sul venceu licitação para a construção de seis reatores nos Emirados, o que atraiu o Japão, considerado, pelas bombas em Hiroshima e Nagasaki, um líder na defesa de regras rígidas ao setor.

Agora, Tóquio negocia cooperar com a Índia e quer vender equipamentos ao Brasil -que não decidiu quantas usinas construirá além de Angra 3.

Para isso, estuda abrir exceção à lei nacional que impede a venda a países fora do Protocolo Adicional do TNP, que reforça a atividade da AIEA.

EUA, Rússia e França pedem a criação de bancos de combustível atômico, para evitar que países iniciantes busquem fabricá-lo. Mesmo assim, os EUA permitiram que o Vietnã enriqueça urânio. A China, fora do mercado indiano, construirá usinas no Paquistão, outra potência extra-TNP.

(Claudia Antunes)
(Folha de SP, 9/1)